sábado, 22 de janeiro de 2011

Mil novecentos e oitenta e oito

Nasci numa manhã de segunda-feira espremida entre o natal e o ano novo. Os meus pais, avós, tios e parentes mais chegados me olhavam de cima sem nenhuma discrição. Era o caçula de uma família de mais de vinte netos e o primogênito de outra que mais tarde faria dez. A primeira impressão do mundo estava meio turva e tinha cheiro de éter, mas podia sentir o sol do verão recém-chegado.

Enquanto nadava no líquido amniótico do útero da minha mãe, o Brasil lançava uma nova constituição - mais livre, democrática e cheia de garantias, além disso, iríamos eleger um segundo civil à presidência da república depois do regime militar. No mundo, o Muro de Berlim estava prestes a cair e a unificação da Alemanha dava contornos a uma nova sociedade. A tecnologia começava a ajudar o mundo a se globalizar e a idade da indústria dava lugar à idade da informação.

Por aqui, os meus pais casaram e foram morar juntos para me esperar. Minhas avós tiveram que re-configurar às suas casas. Para uma, o início de uma nova família, para a outra, a formação quase definitiva dos seus sucessores. Nasci quando o mundo - local e global - parecia mudar de forma, mas fiquei sem conhecer o contorno do que ainda há pouco estava ali.

Com o tempo, fui percebendo que toda a estabilidade que me rodeava e a constância do que se movia no mundo eram frutos da história de milhares de pessoas, desde Gorbachev e Reagan até os militantes das Diretas Já. Desde os meus avôs até os meus pais. Nasci quando o molde de tudo o que vivo já estava pronto. Sou um dos produtos de todo esse arranjo.

De lá pra cá, as minhas impressões me encaminharam para o que sou. E são estas impressões que eu vou contar por aqui, cada uma com uma cor, uma figura e um motivo diferente.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Encontro

Sou proporcional às medidas das minhas palavras. Quando escrevo me torno do tamanho delas, me agiganto aos seus diâmetros, me ajusto às suas formas. As palavras me mediam, ilustram os pormenores da minha personalidade e figuram as minhas idéias. Elas substituem falas e declaram as minhas posições. Elas clarificam a minha identidade e me ajudam a perceber e decifrar quem sou. Quando verbalizo, torno palpável tudo o que penso, o que percebo e o que sinto. E foi só tateando as minhas palavras que pude encontrar comigo mesmo.

Fernando Mota